Novelas Policiárias: Uma Antologia – Fernando Pessoa
Ano de Lançamento: 1935? (1913-14?) – Minha Edição: 2019 – 197 páginas
Provavelmente a maior atração que uma história de detetive tem aos seus leitores é a resolução da charada por trás do crime ou do mistério o qual ele está investigando. Fernando Pessoa, dentro de sua vastíssima e diferenciada obra, também demonstrou um fascínio sobre o ato de desvendar as “charadas da vida real”, de modo muito pioneiro. Ele rascunhou e escreveu algumas histórias de detetives ao longo da sua vida, contando casos em que esteve envolvido o enigmático Dr. Abílio Quaresma. Algumas nunca publicadas até agora, as que estavam em estado mais ou menos coerentes, foram reunidas por estudiosos do autor neste pequeno volume.
Composto por seis contos, neste livro Pessoa narra a trajetória dos casos mais famosos em que Quaresma trabalhou em Lisboa, por volta da primeira década do século XX. Entretanto, o detetive é um pouco diferente do que se espera; ele é “um matemático da realidade, médico sem clínica, um estratégico do já-feito“. Apesar da engraçada ironia, é mais ou menos por aí que ele age. Abílio é um médico, que atua como consultor da polícia lisboeta em casos complexos – sua fama é conquistada após solucionar o Caso Vargas, quando o engenheiro Carlos Vargas foi assassinado e planos da marinha portuguesa sobre um submarino foram roubados.
Quaresma não é investigador, não busca provas nem vai atrás de testemunhas, apenas trata o crime como uma charada e tenta resolvê-la a partir da eliminação de opções em uma escala lógica. Por exemplo, se são três suspeitos e quatro possíveis motivos, ele pensa de trás para frente observando quais se excluem e quais seriam mais difíceis de acontecer e chega a solução mais provável.
E, infelizmente, é apenas isso mesmo. Embora Pessoa tenha deixado em uma correspondência, em 1935, a intenção de que estes textos fossem publicados algum dia; são contos inacabados. Embora, eu suspeito que o autor não queria desenvolver muito mais que o estado que as encontramos; o objetivo das pequenas estórias não é exatamente elucidar o crime e sim mergulhar fundo no raciocínio do personagem do médico. Os contos se encerraram subitamente após Quaresma determinar quem seria o mais provável de ser o culpado, normalmente, a partir dos motivos, sem explicar como foi possível tudo ocorrer ou como a cena do crime ficou do jeito que ficou – elementos que se espera de romances policiais, e, por isso que Pessoa criou o neologismo de Policiárias, ao não passar por esses pontos “obrigatórios”.
O cerne da obra são as reflexões de Quaresma sobre os criminosos e sua mais interna psicologia e sentimentos. Páginas e páginas dele explicando os diferentes tipos de loucura, de paranoia, de ambição, de ciúmes; como elas se manifestam, o porquê e quando as pessoas agem de tal ou qual maneira. Apesar de algumas coisas muito curiosas e lógicas interessantes e irônicas, não se trata de muito mais que o autor, por mais genial que ele seja, divagando sobre pseudociência – ainda mais sabendo do histórico de Pessoa com religiões míticas, ocultismo, astrologia e outras excentricidades.
Por outro lado, sua exploração da mente criminosa é algo muito interessante. Escritos na década de 1910, os contos possuem essa abordagem bastante visionária que, se já existia desde o século XIX, tornou-se mainstream apenas nos anos 70. Pessoa trabalhar com esses aspectos é mais uma amostra de seu brilhantismo. Entretanto, como resultado para publicação, temos uma antologia de contos policiais repletos de finais anticlimáticos – isso quando há um final.
Mediano (2,5/5)
Apesar da proposta atraente, são contos anticlimáticos e inacabados. Interessam quase que exclusivamente a estudiosos do autor.
Fã de Romances Policiais: Originalmente, Fernando Pessoa crescera na África do Sul, seu padrasto foi cônsul de Portugal em Durban. Lá ele fez sua formação básica em escolas de língua inglesa e teve muito contato com a literatura britânica e se tornou muito fã de Edgar Allan Poe – autor que ele se dedicou a traduzir obras para o português – e também do menos conhecido Wilkie Collins, um dos principais percursores dos romances policiais no século XIX. Estas foram suas principais inspirações para conceber o personagem e as histórias de Abílio Quaresma.
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