Os gregos acreditavam em seus mitos?

Os gregos acreditavam em seus mitos? Ensaio sobre a imaginação constituinte – Paul Veyne

Tradução: Mariana Echalar – Editora UNESP

Ano de Lançamento: 1983 – Minha Edição: 2013 – 205 páginas


A mitologia antiga, e a grega, em especial, é talvez o tema de História Antiga mais popular e que mais desperta interesse dos curiosos – afinal, ela é constantemente reciclada em filmes, jogos, desenhos, quadrinhos e etc. Esse uso indiscriminado dessas figuras é possível tão somente porque não há mais quem acredite mais nessas divindades. Entretanto, tamanho é o absurdo e a hipérbole envolvida nesses mitos que a questão passou a ser, quando é que alguém acreditou neles?

Uma resposta afiada seria que, hoje, acredita-se que a humanidade surgiu de um par de indivíduos criado do barro e que todas as espécies de plantas e animais do mundo esteve concentrada em um único barco; então por que não seria possível crer em Atena saindo da testa de Zeus?

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Estrela Vermelha

Estrela Vermelha – Aleksandr Bogdanov

Tradução: Paula Vaz de Almeida e Ekaterina Vólkova Américo – Boitempo

Ano de Lançamento: 1908 – Minha Edição: 2021 – 183 páginas


Dentro da Ficção Científica futurista temos dois grandes subgêneros, a Utopia e a Distopia; aquele que projeta o futuro melhor ou um futuro melhor em relação ao presente, e o outro que projeta um futuro muito pior que a contemporaneidade. Por motivos variados, o segundo é muito mais popular; afinal, é o que mais dá espaço para as críticas sociais, políticas, culturais ou econômicas as quais o autor quer denunciar. Tal, como, por exemplo, Battle Royale alerta para o autoritarismo do sistema educacional japonês no século XX.

Já a Utopia, muitas vezes classificada como um gênero ingênuo, sem muitos conflitos, características que são fundamentais para enriquecer uma estória, tem mais dificuldades para fazer sucesso. Notadamente ela surge quando há um contexto que permite pensar num futuro melhor; foi o caso de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, criada durante o final da Guerra Fria. Mais antiga que a Distopia, a Utopia nasceu no século XVI, no texto de Thomas Moore de mesmo nome, descrevendo um “não-lugar”, bom demais para ser verdade.

O gênero se transformou – criou seu oposto – e tomou forma em várias mídias e aplicações. Muitas vezes esses textos têm caráter de manifesto, de esperança, de encorajamento ou também de alertar que essa janela de oportunidade de criar uma sociedade melhor exige certas condições. Todas essas características estão presentes neste clássico escrito no clima da Primeira Revolução Russa, ou a Revolução de 1905, como costuma ser conhecida no ocidente.

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O Espírito da Ficção Científica

O Espírito da Ficção Científica – Roberto Bolaño

Tradução: Roberto Brandão – Editora Cia das Letras

Ano de Lançamento: 2017 (1984) – Minha Edição: 2017 – 182 páginas


A obra do escritor chileno Roberto Bolaño é extremamente complexa, são várias camadas, textos que se relacionam uns com os outros anos depois, personagens que são testes para outros, heterônimos e alter egos do autor surgem de supetão, linhas narrativas são inacabadas… tudo isso está presente neste livro aqui, um dos mais controversos do autor.

Escrito em sua juventude, entre 1980 e 1984, é considerado um texto “laboratorial” onde ele exercitou certas ideias e conceitos que seriam desenvolvidos de forma mais madura no auge de sua carreira. Não é certo que havia intensão dele em publicar esta obra, que foi editada postumamente, 13 anos depois de sua morte, em 2016.

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Andor (1ª Temporada) – A produção mais adulta de Star Wars

Star Wars sempre foi um blockbuster, apesar de nosso amor e posteriores desenvolvimentos dele, nunca houve muita profundidade em seu enredo e faltam alegorias sociais, culturais ou políticas mais ambiciosas, especialidades da Ficção Científica. Este, inclusive, é um dos pontos que pode ligar Guerra nas Estrelas mais à fantasia que à Ficção; a preocupação é mais em criar as regras daquele mundo fantástico – em especial o que é ligado à Força – que desenvolver, por exemplo, as questões sociais.

Inclusive, quando a Ameaça Fantasma apresentou um enredo mais complexo (e mais burocrático) “as taxas de comércio estão estrangulando a economia da galáxia“, dizia o letreiro inicial, isso foi fortemente rechaçado. O Episódio I tem seus graves defeitos, mas o plano de fundo envolvendo à Federação de Comércio, a República e Naboo é muito inteligente. Apesar de pontualmente algumas coisas aqui e ali, Star Wars só foi retomar um lado B, ou mais mundano, da Galáxia em Rogue One, o primeiro longa spinoff, e a única coisa boa que a administração Disney conseguiu levar as telonas.

Não é coincidência que os personagens e contexto escolhido para retomar uma obra de Star Wars sem nenhum Jedi sejam os mesmos daquele filme.

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A Revolução Colombiana

A Revolução Colombiana – Forrest Hylton

Tradução: Magda Lopes – Editora Unesp

Ano de Lançamento: 2007 – Minha Edição: 2010 – 191 páginas


Nestes últimos meses a política colombiana se tornou um destaque positivo, provavelmente pela primeira vez na história, ao eleger o primeiro presidente de esquerda do país; o antigo guerrilheiro do grupo M18, Gustavo Petro, chegou ao poder após uma eleição apertadíssima. O espanto foi generalizado, provavelmente pelo fato de, não apenas ter ganho a eleição em país no qual raríssimas foram as eleições livres, mas por ele ter chegado vivo até a posse.

O histórico de candidatos presidenciais assassinados Colômbia é extenso, passa da casa de dezenas. De fato, o nosso vizinho é o país mais difícil do mundo para ser um ativista; é o local em que mais militantes são mortos em todo o planeta. A tradição de violência política, é de longa data, e remonta, pelo menos, até a Guerra dos Mil Dias (1899 a 1902), entre o Governo Conservador e as Guerrilhas Liberais. Desde então, pouco, ou nenhum diálogo político colombiano conseguiu ser feito. Explicar o porquê desta característica tão particular de um país relativamente antigo e consolidado é o objetivo deste historiador estadunidense.

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Jornada nas Estrelas: A Nova Geração – 1ª Temporada – Lista de Episódios

Para uma avaliação geral da temporada, os melhores episódios, os piores episódios e a lista dos mais essenciais, clique no link abaixo!

Episódios

S01E01 e 02: Encontro em Longínqua – O melhor filme que não foi filme de Jornada nas Estrelas. A Enterprise D recebe uma nova tripulação. Liderada pelo Capitão Picard, ela precisa ir até Longínqua receber o resto dos oficiais, que estão com severas desconfianças do local. Entretanto, no caminho, a nave é capturada por uma entidade com poderes divinos conhecida apenas como Q.

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Jornada nas Estrelas: A Nova Geração – 1ª Temporada – Perestroika e Caos na Ponte

Jornada nas Estrelas: A Nova Geração:

A segunda metade dos anos 80 foi um período de felicidade, a moda era a crença em um futuro melhor que não dava as caras havia muito. As mudanças na União Soviética a partir de 1985 colocavam paulatinamente um final na Guerra Fria; as ditaduras latino-americancas caíam uma a uma. Um mundo melhor, mais justo, igualitário e democrático parecia possível. Naquele curto período de tempo, os otimistas não esperavam não uma vitória do capitalismo e queda da URSS, mas sim o encontrar de um meio tempo entre a liberdade ocidental e a igualdade oriental.

Parecia ser (e foi) uma hora muito boa para reviver a Utopia Científica mais popular da TV; Jornada nas Estrelas retornou após 20 anos fora do ar. Também após 4 filmes bem-sucedidos – alguns mais, outros menos – e após um boom do gênero de Ficção Espacial após o sucesso de Guerra nas Estrelas, em 1977. Este conjunto de fatores proporcionou seu renascimento; ainda não-tão-triunfal entre 1987 e 1988.

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Star Trek: Lower Decks – 3ª Temporada – Mais do mesmo

Genuinamente, ri de soluçar nos primeiros capítulos da animação Rick & Morty, como também de filmes clássicos do gênero Comédia-por-minuto, como Apertem os Cintos! ou os não-tão-clássicos mais recentes, como Todo mundo em pânico. Não é coincidência que as sequências raramente, para não dizer nunca, vivem à altura, e arranquem poucos ou nenhum riso. Muito do gênero é calcado nas reações inesperadas e na subversão dos personagens nas situações envolvidas.

O problema é que se isso torna-se o padrão, você passa a esperar o que deveria ser o inesperado. O desgaste se torna inevitável e a magia que àquela comédia despertava apaga-se de maneira decisiva. Lower Decks parece estar chegando nessa fronteira.

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Pandemia e Agronegócio

Pandemia e Agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência Bob Wallace

Tradução: Allan Rodrigo de Campos Silva – Editora Elefante

Ano de Lançamento: 2016 – Minha Edição: 2020 – 605 páginas


Durante a pandemia de Covid 19, as teorias sobre sua origem foram várias; um vírus criado em laboratório pela China, um vírus criado em laboratório pelos Estados Unidos; um homem que comeu carne de morcego, um morcego que mordeu um homem… apesar das extravagâncias, todas são apenas explicações que correm atrás do próprio rabo.

Rob Wallace é um jornalista americano, originalmente um biólogo pesquisador de epidemiologia, que, infelizmente, se mostrou visionário ao escrever quatro anos antes da Pandemia esta obra. Denunciando como as práticas industriais e comerciais do agronegócio criaram um verdadeiro celeiro de doenças de alcance mundial. Aqui estão reunidos artigos que ele escreveu entre 2004 e 2016 – mais dois especiais coletados para a edição brasileira, pós-coronavirus – sobre o tema que dá título à obra em diversas publicações científicas e jornalísticas.

Com um domínio excepcional do tema (e com mais de 50 páginas de referências bibliográficas), Wallace faz um alerta contundente da ameaça que o Agronegócio é para a humanidade.

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Novelas Policiárias

Novelas Policiárias: Uma Antologia – Fernando Pessoa

Ano de Lançamento: 1935? (1913-14?) – Minha Edição: 2019 – 197 páginas


Provavelmente a maior atração que uma história de detetive tem aos seus leitores é a resolução da charada por trás do crime ou do mistério o qual ele está investigando. Fernando Pessoa, dentro de sua vastíssima e diferenciada obra, também demonstrou um fascínio sobre o ato de desvendar as “charadas da vida real”, de modo muito pioneiro. Ele rascunhou e escreveu algumas histórias de detetives ao longo da sua vida, contando casos em que esteve envolvido o enigmático Dr. Abílio Quaresma. Algumas nunca publicadas até agora, as que estavam em estado mais ou menos coerentes, foram reunidas por estudiosos do autor neste pequeno volume.

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“Estou puto da vida e não vou mais aguentar tudo isso!”

No clássico de 1976, a Rede de IntrigasNetwork no original, e Escândalo na TV em Portugal – uma reviravolta na mídia americana é disparada após a demissão do principal âncora de uma emissora, o veterano Howard Beale. Sabendo que estava apresentando suas últimas edições do jornal das oito da UBS, ele decide anunciar, ao vivo, que cometeria suicídio na próxima semana durante a apresentação do noticiário, também ao vivo.

Ao contrário do que todo mundo esperava, a declaração de Beale se transformou num fenômeno extremamente positivo para a nova direção da TV em que ele trabalha.

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Fundação (1ª Temporada) – Um monumento à incompreensão de um clássico.

Na edição de 1966 dos Prêmios Hugo, o mais tradicional da literatura fantástica, foi oferecido uma categoria que nunca havia sido dada e jamais se repetiu novamente: Melhor Série de Todos os Tempos. Nos bastidores do meio editorial, os comentários eram de que se tratava um jogo de cartas marcadas, de uma honraria feita e encomendada para premiar O Senhor dos Anéis.

Para a surpresa de todos, o prêmio foi para a trilogia da Fundação, escrita originalmente entre 1942 e 1950 por Isaac Asimov, o escritor soviético, radicado dos EUA – e um dos que repetia os comentários maldosos sobre o jogo viciado naquele prêmio de 66. Embora não muito conhecida do público em geral, e ainda mais fora dos Estados Unidos, a série Fundação é talvez a mais influente da Ficção Científica – e aquela que botou Senhor dos Anéis no chinelo há 50 anos atrás.

Entretanto, muito do espanto que pode causar saber que essa obscura série dos anos 40 foi considerada melhor que a obra de Tolkien se deve ao fato que as adaptações da Saga do Anel foram, igualmente obras primas, e geraram filmes magistrais. Infelizmente, este não será um privilégio compartilhado por Fundação.

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Jango e Eu

Jango e Eu – Darcy Ribeiro

Ano de Lançamento: 2010 (1996) – Minha Edição: 2010 – 107 páginas


Provavelmente a frase mais célebre que Darcy ribeiro nos deixou é a qual ele afirma que seu maior alívio foi fazer parte dos vencidos da História nacional, ou quase isso. Ele relata várias de suas empreitadas na política brasileira – tais como reforma universitária, campanha pela alfabetização, proteção aos indígenas – e que, em todas, foi derrotado. E provavelmente o momento em que mais esteve próximo de fazer vencer suas bandeiras foi o período em que se tornou o político mais importante do país depois do presidente da República.

Entre junho de 1963 e abril de 1964, o antropólogo foi ministro da Casa Civil de João Goulart até os instantes final do governo derrubado pelo golpe militar. Já havia sido ministro da educação de Jango no ano anterior e acabou se tornando uma das pessoas mais importantes do país naquele início da década; membro de um seleto grupo que desejou, como nenhum outro, desenvolver e pensar o Brasil.

Nesta pequena etapa de suas memórias, ele relata, exatamente como o título adianta, sua relação com o presidente.

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As Contradições do Lulismo

As Contradições do Lulismo: a que ponto chegamos? – André Singer e Isabel Loureiro (org.)

Ano de Lançamento: 2016 – Minha Edição: 2016 – 282 páginas


Olhando de trás para frente, o cavalo de pau dado pelo Brasil a partir de 2016 não é tão difícil de enxergar, entretanto, no olho do furação, o golpe contra a presidente Dilma não deixou de ser surpreendente. Não que não faltassem contradições em nosso regime político, mas genuinamente não se esperava que o país voltasse a ver mais um golpe de estado após uma experiência relativamente positiva e tranquila de democracia burguesa.

Assim como todos os processos análogos de nossa história, o golpe de 16 será discutido e compreendido por mais várias décadas. Mas um dos primeiros esforços de ajudar no entendimento desse evento foi este aqui, não por acaso liderado por André Singer, o pai do conceito de Lulismo, que quis tentar explicar seu colapso.

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