Babylon 5 – 2ª Temporada – Como contar uma grande história de fundo

É muito curioso se compararmos Bablyon 5 a séries da ficção científica mais recentes, que já nasceram com uma proposta mais serializada, como Star Trek Picard, ou mesmo Falling Skies, por exemplo, e como elas ficam muito pequenas perto desta obra aqui, quase 30 anos mais velha. Mesmo sendo dominada por um tom episódico – que eu não vejo como inferior; é uma questão de tendência, contexto da mídia de sua época e linguagem – B5 dá uma lavada em concorrentes do futuro na sua forma de contar um enredo maior. Algo que seria especialidade de programas mais serializados.

A fórmula narrativa do seriado, que amadurece e começa a brilhar neste segundo ano, é tão maravilhosa que, pode, por exemplo, nos convencer que a saída do ator principal era planejada. Se isso não é uma amostra de que estamos assistindo a uma obra-prima…

Agradou: enredo sempre andando pra frente.

Cada episódio, não só nesta temporada, conta um pedaço de uma história maior, mesmo que não sejam sequências diretas um com o outro. Mesmo quando temos uma trama cômica, por exemplo, há informações que compõe um caminhar no pano de fundo – que é o grande mérito de B5. Mas não apenas isso, são raríssimos os episódios que dependem de ganchos ou, simplesmente, enrolam para dar partida há algum evento.

Os shows serializados ficam completamente dependentes de alguém sendo preso ou capturado para se soltar no episódio seguinte, ou antecipar um encontro que só se concretiza no próximo capítulo. Babylon 5 raríssimas vezes faz isso; o suspense e a construção são realizadas através de várias sementes plantadas em enredos autônomos. Quando as coisas acontecem, podem ser diretas, sem rodeio: se é para uma guerra estourar, o contexto já esta lá, é só a pólvora ascender; se é para a guerra terminar, anteriormente já nos era passado mais ou menos o seu desfecho.

Essa construção é tão bem feita que o capítulo que me chamou mais a atenção, foi justamente um sem nenhum evento grandioso, como veremos abaixo, mas que os poderes e os interesses dos personagens estavam tão consolidados que somente a situação que eles foram colocados já era o suficiente para nos deixar na ponta do sofá.

  • Não-Agressão: gostei também muito do desfecho desta temporada em analogias históricas que o seriado se utilizou para colocar a Terra dentro daquele contexto de conflito. Nitidamente ameaçada, tomará uma postura contraditória a partir de uma propaganda totalmente falsa – ao mesmo tempo que permite o inimigo crescer dentro do seu território (estou falando em termos genéricos para evitar eventuais spoilers.
  • G’Kar e Londo: na primeira temporada, tendia mais a gostar de Londo. Um personagem fascinante, acomodado e ressentido por isso, queria ser reconhecido por seus feitos e nobreza e raramente conseguia. Já G’Kar era mais arrogante, bon vivant… gradualmente as coisas se inverteram de forma magistral. Londo se entregou, justamente, a única alternativa que poderia fazer com que ele se tornasse importante de novo – ainda que eu ache clichê o arquétipo do personagem-que-não-previa-as-consequências-das-suas-ações. Enquanto G’Kar mergulha fundo na sua tragédia e na de seu povo, fazendo de tudo, no limite das negociações para obter qualquer ajuda. Provando sua nobreza mesmo estando no fundo do poço.

Não agradou: saída de Sinclair, uso irregular de personagens, e constante militarismo.

Iniciamos a temporada com um grande baque; o Comandante Sinclair deixa a Estação e é alocado como embaixador em Minbari. Na realidade, o ator Michael O’Hare descobriu, durante as filmagens da temporada anterior, que sofria de esquizofrenia e precisou se afastar do trabalho para procurar tratamento. Fez um ou outro trabalho mas não conseguia mais conciliar seu estado de saúde com a atuação e se afastou completamente das câmeras em 1997, com uma breve aparição em 2000. Esse motivo ficou guardado, como confidência, por seu amigo J. Michael Straczynski, o criador da série, e revelado apenas após sua morte, devido a um infarto, em 2012.

Straczynski ofereceu para O’Hare que o personagem se ausentaria por alguns capítulos e depois retornaria, mas o ator preferiu se afastar totalmente devido ao alto grau da doença que vinha sofrendo. Infelizmente, uma grande perda também para nós; dono de um vozeirão, que imortalizou o monólogo de abertura da série, ele conquistou seu espaço com um carisma, em certo ponto, até comedido e criando um personagem realmente tridimensional. Desde sua dificuldade de se relacionar com sua namorada de vai-e-vem até mesmo seu sorriso desajeitado, que para mim ficará como a imagem definitiva do personagem, após conseguir negociar o fim da greve dos estivadores da estação na primeira temporada.

Também foi estranha, mas menos sentida, a saída de outros dois personagens alocados como elenco principal – na realidade, o seu uso irregular. Notadamente, o Tenente Keffer, que apareceu muito esparsamente, mas que ainda teve um desfecho, diferente da adida diplomática de G’Kar, Na’Toth. Curiosamente, a atriz (sem maquiagem) até foi utilizada depois que a personagem sumiu, mas ela simplesmente desaparece – até a quinta temporada, pelo que pesquisei.

Babylon 5, ainda assim, foi tão bem escrita com relação ao seu pano de fundo, que eu não imaginei de primeira que a saída do O’Hare seria definitiva; estava entendendo que tudo havia sido milimetricamente planejado. Sheridan, por sua vez, também é carismático e será um grande personagem; mas perfeitinho demais, all-american, nunca deixará de ser sem sal se comparado a Sinclair.

Sinclair, aliás, não queria um trabalho administrativo, gostava era de ser um comandante de um gigantesco cruzador de batalha… ou de exploração? Novamente, o militarismo de B5 é tão latente que nem dá para distinguir direito as coisas; em um episódio no qual aparece uma nave de exploração, ao invés de uma Enterprise e um capitão mais diplomático, somos apresentados a uma nave com nome de conquistador espanhol. Que bola fora.

A série tenta até fazer uma mea-culpa com um patético episódio no qual passa 43 dos 45 minutos de exibição exaltando os militares e mostrando o quão nobres eles são em seu objetivo, para ter 2 minutos explicando como “guerra é ruim”.


Melhor Episódio

In the shadow of Z’hadum – Pode não ser um episódio que chama muita a atenção, não há batalhas grandiosas nem momentos que mudaram o curso dos acontecimentos, mas fui surpreendido demais por essa conexão entre as sombras e o passado (da esposa) do capitão. E depois da surpresa, pura tensão, o capítulo faz com fiquemos com a impressão que, a qualquer momento, Morden, ou seus associados, poderá tomar alguma atitude brutal contra nossos heróis; assassinar qualquer um ou mesmo destruir a estação.

Continuando entre os capítulos mais discretos, Confessions and Lamentations é algo mais avulso e, justamente, é usado dessa forma ao nos levar em um dos finais mais cruéis e impactantes do seriado e da Ficção Científica. Agora já nos encaminhando ao arco principal e aos episódios mais grandiosos, o início da temporada, Point of Departure é excelente e consegue te convencer que a troca de protagonista era algo planejado; e Coming of Shadows inicia a primeira guerra da série em alto estilo.

A reta final, com a conclusão, exatamente, da guerra entre Narn e Centauri também é repleta de muita coisa boa, The Long Twilight Struggle consegue, no timing perfeito, dar o principal desfecho ao conflito, e o encerramento em The Fall of Night faz a série brilhar com as alegorias históricas.

Gostaria que fossem melhores: 1) Geometry of Shadows – Os tecno-magos são muito interessantes, mas a opção por transformar o enredo diplomático em comédia não me agradou. 2) Acts of Sacrifice – Uma trama muito madura sobre a busca de G’Kar por ajuda na guerra convive com um besteirol que termina em dança do acasalamento. 3) Comes the Inquisitor – Temos toda uma contextualização excelente sobre o misterioso personagem, que é desperdiçada em um interrogatório totalmente oco.

Pior Episódio

Soul Mates – Raríssimos são os capítulos de Babylon 5 que são mal escritos, e temos aqui um deles. Apesar da coerente intenção de manter juntas duas tramas com o mesmo tema, casamentos e divórcios, nada funciona muito bem aqui. Temos até um lore importante sobre o Psi Corps ter a prática de realizar casamentos forçados – além da habilidade da “telepatia reversa” – mas paramos por aí – mesmo porquê não fica claro se o ex-marido estava a serviço da corporação naquele momento ou era um renegado, ou se seus poderes também podem ser replicados.

Já no arco cômico de Molari há muito pouco a se salvar, e os problemas de roteiro ficam evidentes: parece que há cenas faltando para explicar o envolvimento de G’Kar com as mulheres. Um roteiro fraco ainda é encontrado em The Long Dark, uma estória totalmente desconectada sobre pessoas perdidas no tempo tenta falar mais sobre as sombras, mas pouco revela. Ao menos tem uma única frase magistral que coloca um degrau acima: “o futuro não é mais como era antigamente“.

Não tão mal escrito, mas mal dirigido, temos There All Honor Lies, a cena inicial, na qual o capitão atira contra o Minbari beira o ridículo, fica na cara que não vai dar em nada aquilo ali. GROPOS tenta uma “crítica social foda”, que esbarra, justamente, no ponto mais fraco do seriado o excesso de militarismo; são despejados clichês em cima clichês para mostrar que a guerra é do mal. Numa caracterização tão militarista quanto B5, é uma crítica que fica capenga o tempo todo.

Essenciais

Além dos citados entre os melhores, Revelations responde aos ganchos deixados na temporada anterior; A Distant Star é bastante divertido e nos apresenta às naves de exploração daquele universo Ficcional e A Spider in the Web apresenta melhor os Inimigos Internos. A Race Through Dark Places é uma história mais avulsa, mas muito bem conectada ao lore do seriado explorando a resistência aos Psi Corps.

Hunter, Pray, não dos mais empolgantes, é importante para estabelecer o alcance de ambas as conspirações que tentam buscar poder na Terra. Mesmo caricato demais para meu gosto, And now, for a word, consegue mostrar o drama vivido pela estação durante a guerra travada na temporada. E Divided Loyalities, é fundamental para termos o desfecho de uma importante personagem.

XPoints of DepartureExcelenteMelhores
XRevelationsBom
The Geometry of ShadowsBom
XA Distant StarMuito Bom
The Long DarkMuito RuimPiores
XA Spider in the webMuito Bom
Soul MatesMuito RuimPiores
xA Race Through Dark PlacesMuito Bom
xThe Coming of ShadowsMuito BomMelhores
GROPOSMuito RuimPiores
All alone in the nightRuim
Acts of SacrificeMediano
xHunter, PrayBom
There all honor liesRuimPiores
xAnd now, for a wordMuito Bom
xIn the shadow of Z’ha’dumExcelenteMelhores
KnifesRuim
xConfessions and LamentationsExcelenteMelhores
xDivided LoyaltesMuito Bom
xThe long, twilight struggleMuito BomMelhores
Comes the inquisitorMediano
xThe Fall of the NightMuito BomMelhores
Com X, e em negrito, os essenciais.

Babylon 5


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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